O real motivo do Nordeste ser pobre e do porquê o nordestino tender ao lulismo


Introdução

O Nordeste foi historicamente negligenciado em termos de investimentos econômicos e infraestrutura, especialmente após o declínio do ciclo da cana-de-açúcar (século XVII) e a ascensão do Sudeste com o ouro e o café (séculos XVIII-XIX). Essa disparidade criou uma narrativa de “atraso” associada ao Nordeste, reforçada por elites do Sudeste que viam a região como menos desenvolvida. Estereótipos de nordestinos como “preguiçosos” ou “atrasados” surgiram dessa visão distorcida, ignorando as condições estruturais impostas, como a pobreza gerada pela exploração e sucateamento desde o período Joanino. Nesse artigo (parte 1 e parte 2), irei mostrar com fontes os reais motivos do nordestino tender ao Lulismo, não por "burrice", mas por motivos como o impacto transformador que o nordeste teve em sua gestão, sendo Lula responsável ou não. Mas primeiramente, na parte 1, irei mostrar o porquê do nordeste ser pobre, que, diferente do que a elite midiática sudestina alega ser culpa somente dos coronéis, os verdadeiros motivos vêm desde o começo do século XIX. 

A Rica Capitania de Pernambuco

A riqueza da Capitania de Pernambuco, especialmente entre os séculos XVI e XVII, foi impulsionada pela produção de açúcar, que tornou a região uma das mais prósperas do Brasil colonial.[1] Recife e Olinda se destacaram como centros econômicos e administrativos, com Recife servindo como porto para exportação do açúcar para a Europa. No auge, durante o domínio português e, brevemente, holandês (1630-1654), Pernambuco era conhecido como o "celeiro do Brasil" e gerava grande parte da receita colonial.[2][3] A administração de Maurício de Nassau, durante a ocupação holandesa, trouxe melhorias urbanas e incentivos à produção, ampliando a prosperidade.[4]

No começo do século XIX, Pernambuco era a capitania mais rica do Brasil.[5][6] Recife e Olinda, as duas maiores urbes pernambucanas, tinham juntas cerca de 40 mil habitantes (o Rio de Janeiro, capital da colônia, possuía 60 mil habitantes). O porto do Recife escoava grande parte da produção de algodãoaçúcar de centenas de engenhos da Zona da Mata, cujo litoral se estendia da foz do rio São Francisco até a vila de Goiana.[7] Além de sua importância econômica e política, os pernambucanos tinham participado de diversas lutas libertárias. A primeira e mais importante tinha sido a Insurreição Pernambucana, em 1645. Depois, na Guerra dos Mascates, foi aventada a possibilidade de proclamar a independência de Olinda.[8]

Exploração Econômica de Pernambuco

A exploração econômica de Pernambuco pela família real portuguesa, especialmente após a chegada da corte ao Brasil em 1808, deve ser contextualizada no Período Joanino (1808-1821), quando o Brasil passou a ser a sede do Império Português. Antes disso, Pernambuco já era uma capitania de grande relevância econômica devido à produção de açúcar, que, desde o século XVI, a tornou um dos principais centros econômicos da colônia. Com a vinda da família real, porém, a dinâmica econômica de Pernambuco sofreu mudanças significativas, marcadas tanto por imposições fiscais quanto por tensões sociais e políticas.[9][10]

Contexto e Exploração Econômica

  1. Aumento de Impostos e Custos para Manutenção da Corte: Com a transferência da corte para o Rio de Janeiro, Pernambuco, como uma das províncias mais ricas, foi obrigada a enviar grandes somas de dinheiro para custear os gastos da família real e sua comitiva, que incluíam salários, alimentação, vestimentas e festas. Esses recursos eram obtidos por meio de pesados impostos, que sobrecarregaram a economia local e geraram descontentamento entre a elite e a população pernambucana. Segundo escritor inglês visitante no Recife, era grande a insatisfação local ante a obrigatoriedade de se pagarem impostos para a manutenção da iluminação pública do Rio de Janeiro, enquanto no Recife era praticamente inexistente a dita iluminação.[11][12] A crise econômica foi agravada pela seca de 1816, que comprometeu a produção agrícola, e pelo atraso no pagamento de soldados, intensificando as tensões sociais.[13][14]
  • Decadência do Açúcar, Concorrência Externa e Grande Seca: No início do século XIX, a economia açucareira de Pernambuco, que havia sido o pilar da riqueza da capitania, já enfrentava declínio devido à concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. A Grande seca que havia atingido a região em 1816 acentuou a fome e a miséria e ocasionando uma queda na produção do açúcar e do algodão, produtos que eram a base da economia de Pernambuco começaram a sofrer concorrência do algodão nos Estados Unidos e do açúcar na Jamaica. A chegada da família real não reverteu essa crise, pois as políticas econômicas implementadas por D. João VI, como a abertura dos portos às nações amigas (1808), beneficiaram principalmente o comércio com a Inglaterra, prejudicando a produção local, que não contava com proteção tarifária.[15]
  1. Produção de Algodão e Novas Pressões Fiscais: Embora o algodão tenha tido um breve período de sucesso em Pernambuco, especialmente no início do século XIX, a cobrança de impostos pela coroa portuguesa para sustentar a corte no Rio de Janeiro também impactou negativamente essa atividade. A pressão fiscal reduziu a lucratividade dos produtores, contribuindo para a insatisfação com o governo central.
  2. Centralização Política e Marginalização das Elites Locais: A presença da família real intensificou a centralização administrativa no Rio de Janeiro, com nomeações de portugueses para cargos importantes em Pernambuco, especialmente no exército e na administração.[16] Isso desagradou as elites locais, que se sentiam marginalizadas e excluídas do poder político e econômico. Essa insatisfação foi um dos fatores que culminaram na Revolução Pernambucana de 1817, um movimento separatista e republicano que buscava maior autonomia e o fim das imposições da coroa.

Revolução Pernambucana (1817) e a Reação à Exploração

A Revolução Pernambucana foi uma resposta direta às pressões econômicas e políticas impostas pela família real. O movimento, liderado por figuras como Domingos José Martins e Padre João Ribeiro, conseguiu tomar Recife e estabelecer um governo provisório. Contudo, a revolta foi brutalmente reprimida pelas tropas fiéis a D. João VI, e os líderes foram executados.[17]

Impactos de Longo Prazo

A exploração econômica de Pernambuco pela família real contribuiu para o aprofundamento das desigualdades e para a crise da economia açucareira, que perdeu competitividade. A centralização política e os altos custos impostos pela corte fortaleceram o sentimento antiportuguês na região, pavimentando o caminho para movimentos posteriores, como a Confederação do Equador (1824), e para o processo de independência do Brasil em 1822.

Empréstimos Ingleses ao Brasil

O governo brasileiro se endividou mais ainda contratando oficiais e marinheiros britânicos, como Cochrane, para lutarem contra os confederados de 1824. Esses pagamentos eram feitos com recursos brasileiros, muitas vezes obtidos por meio de empréstimos ingleses. Posteriormente, o Brasil contraiu mais empréstimos significativos com bancos britânicos especialmente através da casa bancária Rothschild a partir dos anos 1820, especialmente para pagar a indenização a Portugal.[18]

Centralização Econômica no Sudeste

Temendo novos movimentos separatistas no Norte e Nordeste, Dom Pedro I, além de desmembrar mais da metade de Pernambuco[19], viu que a melhor solução seria concentrar a economia no centro do Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Assim se deu o início da total concentração industrial e política no Sudeste.[20]

A Grande Seca de 1877: o horror que destruiu o Nordeste

A Grande Seca de 1877-1879, conhecida globalmente como a "Grande Seca" ou "Fome Global de 1876-1878", foi um evento climático extremo que afetou várias regiões do mundo, incluindo o Nordeste do Brasil, Ásia, África, Austrália e partes da América do Sul. Causada por uma combinação rara de fenômenos climáticos, como um El Niño recorde, um forte Dipolo do Oceano Índico e anomalias de temperatura no Atlântico Norte, a seca resultou em fome generalizada, com estimativas de mais de 50 milhões de mortes e impactos socioeconômicos duradouros. No Brasil, particularmente no Nordeste, foi uma das piores estiagens da história, com cerca de 500 mil mortes (aproximadamente 5% da população brasileira à época), migrações massivas, fome, doenças e crises econômicas.[21]

A Grande Seca intensificou o declínio econômico do Nordeste, que já sofria com a ascensão do Sudeste como polo econômico, impulsionado pelo café e pela presença da Corte no Rio de Janeiro desde 1808. Nesse período, o Nordeste entra em uma era de miséria pelos seguintes motivos:

  • Má gestão e negligência política: O governo central, sediado no Rio de Janeiro, foi lento em responder à crise. A centralização econômica e política no Sudeste dificultava a alocação de recursos para o Nordeste, que recebia pouca atenção.
  • A chamada "indústria da seca", termo que surgiria mais tarde, já era perceptível: verbas destinadas ao socorro eram frequentemente desviadas por elites locais e autoridades, perpetuando a miséria.

A seca expôs a negligência do governo imperial, gerando críticas à monarquia e fortalecendo movimentos republicanos no Nordeste.[22] A insatisfação com a centralização no Rio alimentou tensões regionais. Fenômenos como o cangaço ganharam força nas décadas seguintes, com sertanejos marginalizados recorrendo ao banditismo como forma de sobrevivência e resistência. Jornais da época, como os do Recife, denunciaram a gravidade da situação, pressionando por ações do governo. O governo estimulou a migração para a Amazônia, oferecendo transporte e promessas de trabalho na extração da borracha. No entanto, muitos migrantes enfrentaram condições de trabalho análogas à escravidão. Só a partir da Primeira República que projetos mais eficazes de longo prazo começaram a ser feitos, como a construção de açudes e poços, e a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (1909, atual Dnocs).[23] Em contrapartida, o Nordeste ainda permanecia escanteado.[24][25]

A Grande Seca de 1915

A Grande Seca de 1915 foi uma das estiagens mais severas da história do Nordeste. Embora menos documentada globalmente que a Grande Seca de 1877, ela teve impactos devastadores na região, com milhares de mortes, migrações massivas e colapso agrícola. Embora estimativas precisas sejam escassas, a seca causou milhares de mortes, principalmente por fome, desidratação e doenças associadas, como diarreia, febre tifoide e varíola. No Ceará, epicentro da crise, a mortalidade foi especialmente alta, com vilarejos inteiros abandonados. A destruição de lavouras e a morte de rebanhos levaram à insegurança alimentar generalizada. Famílias sertanejas recorriam a alimentos de emergência, como raízes e cactos, para sobreviver. A seca gerou um êxodo de "retirantes", que abandonavam o sertão em busca de sobrevivência. Muitos migraram para cidades nordestinas, como Fortaleza, Recife e Natal, causando superlotação e condições insalubres. A partir desse período o Nordeste entrou em uma era de MISÉRIA EXTREMA incentivada pela Política do Café com Leite.[26][27]

A Política do Café com Leite e o Beneficiamento do Sudeste

A política do café com leite foi um sistema de alternância de poder entre as oligarquias dos estados de São Paulo e Minas Gerais durante a República Velha (1889–1930). Esse arranjo político garantiu que presidentes da República fossem escolhidos alternadamente entre representantes desses dois estados, que dominavam economicamente e politicamente o país devido à produção de café (São Paulo) e leite (Minas Gerais, embora o termo "leite" seja mais simbólico, já que Minas também tinha forte economia cafeeira). A política foi sustentada por acordos entre elites, eleições manipuladas e o controle das estruturas de poder local, como o coronelismo.

As eleições eram manipuladas por meio da "política dos governadores", um pacto entre o governo federal e os governadores estaduais. O governo federal apoiava os governadores aliados, que, em troca, garantiam a eleição de deputados e senadores favoráveis ao presidente. Técnicas como o "voto de cabresto" (controle dos eleitores pelos coronéis) e a falsificação de atas eleitorais eram comuns.

A política do café com leite reforçou a hegemonia política do Sudeste, com decisões nacionais sendo tomadas em função dos interesses das elites paulistas e mineiras e garantiu estabilidade política para as elites durante grande parte da República Velha, mas excluiu outros estados e classes sociais do poder, gerando insatisfação, principalmente nos estados de Pernambuco e Rio Grande do Sul.[28] A dependência do café tornou o Brasil vulnerável a flutuações no mercado internacional, como a crise de superprodução no início do século XX e a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, que agravaram a insatisfação popular.

A Revolução de 1930 marcou o fim da política do café com leite, encerrando a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais e iniciando a Era Vargas.

Centralização Industrial no Sudeste e Sul na Era Vargas

Durante a Era Vargas (1930-1945), a centralização industrial no Sudeste e Sul do Brasil foi impulsionada por políticas econômicas e fatores estruturais. Getúlio Vargas priorizou a industrialização como estratégia de modernização, com foco em substituição de importações. O Sudeste (especialmente São Paulo e Rio de Janeiro) e o Sul (Rio Grande do Sul e Paraná) concentraram esse processo devido a:

  1. Infraestrutura pré-existente: O Sudeste já possuía portos, ferrovias e energia elétrica, facilitando a instalação de indústrias.
  2. Políticas estatais: Vargas criou instituições como o Conselho Nacional do Café e o Instituto do Açúcar e do Álcool, que direcionaram recursos para a indústria. A siderúrgica de Volta Redonda (CSN), inaugurada em 1941 no Rio de Janeiro, simbolizou o investimento estatal no Sudeste.

A concentração industrial aprofundou desigualdades regionais, com o Nordeste e outras regiões ficando dependentes da agricultura. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro cresceram rapidamente, atraindo migrantes de outras regiões. A Era Vargas lançou as bases para a industrialização brasileira, consolidando o Sudeste como motor econômico.[29]

Incentivo do Governo Para os Nordestinos Migrarem Para o Sudeste

Diferente do que alguns sudestinos dizem, que São Paulo sofreu uma "invasão", a verdade é que os nordestinos imigrantes, de começo, não queriam deixar sua terra para irem para a "cidade grande", até por uma questão cultural, mas foram cooptados pela propaganda governamental de melhores condições de vida.

Embora não existisse um programa unificado de migração, diversas ações governamentais, diretas e indiretas, incentivaram o fluxo de nordestinos para o Sudeste:

  1. Políticas de Industrialização (Era Vargas): Durante o governo de Getúlio Vargas, a política de substituição de importações priorizou o Sudeste, com a criação de indústrias de base como a Companhia Siderúrgica Nacional e incentivos fiscais para fábricas em São Paulo. Isso gerou milhares de empregos, daí começou a propaganda e promessas de emprego.
  2. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 1943): formalizou direitos trabalhistas, tornando o mercado de trabalho industrial do Sudeste mais atraente em comparação com o trabalho rural precário do Nordeste.
  3. Propaganda e Promessas de Emprego: Durante a construção de Brasília (1956–1960), sob Juscelino Kubitschek, o governo e empreiteiras divulgaram amplamente oportunidades de trabalho no Centro-Oeste, mas muitos nordestinos, após o projeto, migraram para o Sudeste, atraídos por melhores perspectivas. Propagandas em rádios e jornais prometiam salários e estabilidade, embora as condições reais fossem precárias. Na década de 1950, o governo de São Paulo, sob pressão de industriais, apoiou campanhas informais para atrair trabalhadores nordestinos, destacando a pujança econômica do estado.[30][31][32]

O governo brasileiro, por meio de políticas industriais, propaganda de empregos e omissões no desenvolvimento do Nordeste, incentivou indiretamente a migração de milhões de nordestinos para o Sudeste entre 1930 e 1970. O processo reforçou a centralização econômica no Sudeste, enquanto o Nordeste permaneceu marginalizado por décadas. Desde os anos 2000, observa-se uma tendência de retorno ao Nordeste, impulsionada por melhorias econômicas regionais e pela saturação de oportunidades nas grandes cidades do Sudeste.[33] ~ Assim, os "incentivos" do passado foram mais um reflexo de circunstâncias históricas do que de uma estratégia deliberada e contínua dos governos nordestinos para direcionar nordestinos ao Sudeste.

A Construção de Brasília e o Desenvolvimento do Centro-Oeste

Mão de Obra Nordestina

  1. Contexto da Migração: Pobreza e secas: O Nordeste enfrentava condições socioeconômicas difíceis, agravadas por secas cíclicas. A construção de Brasília ofereceria uma oportunidade de trabalho para milhares de nordestinos em busca de melhores condições.
  2. Candangos: Esses trabalhadores, chamados candangos, vieram principalmente de estados como Bahia, Pernambuco e Ceará. Eram em grande parte homens jovens, com pouca qualificação formal, mas dispostos a enfrentar o trabalho árduo.
  3. Escala: Estima-se que cerca de 60 mil trabalhadores participaram da obra, com os nordestinos sendo a maioria. Muitos viajaram em caminhões abarrotados, os chamados “pau-de-arara”, em jornadas exaustivas.

A mão de obra nordestina foi o motor humano da construção de Brasília, mas os lucros e o prestígio do projeto ficaram concentrados no Sudeste.[33] Isso perpetuou o modelo em que o Nordeste fornecia mão de obra barata, enquanto o Sudeste colhia os benefícios econômicos e políticos.[34][35] A construção de Brasília estimulou indústrias no Sudeste, como a de cimento e metalurgia, que atenderam à demanda por materiais. São Paulo, já o maior polo industrial, consolidou sua posição como fornecedor central. O projeto catalisou o desenvolvimento do Centro-Oeste, com infraestrutura e urbanização, enquanto o Centro-Oeste evoluiu de região isolada para polo agropecuário e econômico, o Nordeste permaneceu mais uma vez, jogado as traças.

Exclusão Agrícola no Nordeste

Durante o Regime Militar (1964–1985), o Nordeste brasileiro enfrentou uma exclusão industrial, econômica e agrícola significativa, marcada pela continuidade das desigualdades regionais históricas, políticas centralizadoras que priorizaram o Sudeste e Sul, e uma abordagem que negligenciou soluções estruturais para os problemas da região. Apesar de algumas iniciativas, como a expansão da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o período foi caracterizado por crescimento econômico limitado, concentração fundiária agravada e migração maciça de nordestinos para outras regiões, especialmente o Sudeste.

  • Cenário Nacional: O Regime Militar implementou um modelo econômico baseado no "milagre econômico" (1968–1973), com crescimento do PIB (média de 10% ao ano), industrialização pesada e grandes obras de infraestrutura. O foco, porém, estava no Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro) e Sul (Paraná, Rio Grande do Sul), que concentravam indústrias, mercados consumidores e investimentos.
  • Nordeste: A região permanecia marcada por uma economia agrária, com alta dependência de culturas como cana-de-açúcar, algodão e cacau, além de secas recorrentes (ex.: 1970, 1979–1983) e estrutura fundiária concentrada. A pobreza extrema afetava cerca de 60% da população nordestina em 1970, segundo o IBGE.
  • Política do Regime: O governo militar adotou um discurso desenvolvimentista, mas centralizou decisões em Brasília e priorizou projetos que beneficiavam grandes empresas e elites regionais, muitas vezes em detrimento do Nordeste.

1. Exclusão Industrial

  • Foco no Sudeste e Sul: O "milagre econômico" impulsionou indústrias de bens duráveis (automobilística, eletrodomésticos) e de base (siderurgia, petroquímica) no Sudeste, com incentivos fiscais, crédito subsidiado e infraestrutura (ex.: expansão do porto de Santos). São Paulo consolidou-se como o maior polo industrial, respondendo por 55% da produção industrial em 1980. O Sul, com montadoras em Paraná e Rio Grande do Sul, também cresceu.
  • Nordeste Marginalizado: Apesar da SUDENE (criada em 1959 e mantida pelo regime), os investimentos industriais no Nordeste foram limitados. Polos como Recife, Salvador e Fortaleza receberam indústrias (têxteis, alimentos, petroquímicas), mas representavam menos de 10% do PIB industrial nacional em 1980.
  • Incentivos fiscais da SUDENE (como isenção de impostos para empresas) beneficiaram grandes corporações, muitas do Sudeste, que instalavam filiais no Nordeste, mas repatriavam lucros e geravam poucos empregos qualificados. Por exemplo, o polo petroquímico de Camaçari (BA) era controlado por empresas externas.
  • A falta de infraestrutura (energia, transporte) e qualificação da mão de obra local dificultava a competitividade industrial nordestina. Enquanto São Paulo recebia hidrelétricas como Itaipu, o Nordeste dependia de energia insuficiente.
  • Consequência: A exclusão industrial reforçou a dependência do Nordeste de empregos precários e da migração para o Sudeste, onde nordestinos ocupavam funções de baixa qualificação (construção civil, serviços domésticos).

2. Exclusão Econômica

  • Centralização de Recursos: O Regime Militar concentrou investimentos federais em megaprojetos no Sudeste e Centro-Oeste, como a Rodovia Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói e a Usina de Itaipu. O Nordeste recebia verbas menores, muitas vezes direcionadas a obras paliativas (açudes, frentes de trabalho) que não geravam desenvolvimento sustentável.
  • SUDENE e Corrupção: Embora a SUDENE tivesse o objetivo de reduzir desigualdades regionais, sua atuação foi comprometida por desvios de recursos e clientelismo. Projetos beneficiavam elites locais (coronéis e grandes empresários) em vez de promover inclusão econômica. Um exemplo é a alocação de verbas para indústrias que nunca se concretizaram.
  • Dependência de Transferências: A economia nordestina dependia fortemente de transferências federais e remessas de migrantes. Em 1970, cerca de 30% da renda de famílias rurais no Nordeste vinha de parentes no Sudeste, segundo o IPEA.
  • Desigualdade Social: A pobreza no Nordeste era agravada pela falta de políticas sociais robustas. Em 1980, 65% da população nordestina vivia abaixo da linha de pobreza, contra 25% no Sudeste (IBGE). Programas de saúde e educação eram insuficientes, perpetuando a exclusão.

3. Exclusão Agrícola

  • Concentração Fundiária: O Regime Militar não realizou reforma agrária, mantendo a estrutura latifundiária do Nordeste. Grandes propriedades (usinas de cana, fazendas de gado) dominavam, enquanto pequenos agricultores e meeiros eram marginalizados. Em 1980, 1% dos proprietários controlavam 45% das terras agricultáveis no Nordeste, segundo o INCRA.
  • Modernização Seletiva: A modernização agrícola, incentivada por crédito do Banco do Brasil e programas como o PROAGRO, beneficiou grandes produtores de exportação (soja, cana) no Sudeste e Centro-Oeste. No Nordeste, a mecanização da cana-de-açúcar (ex.: Zona da Mata pernambucana) expulsou trabalhadores rurais, aumentando o desemprego.
  • Crise das Culturas Tradicionais: A cana-de-açúcar enfrentava concorrência internacional e baixa produtividade, com usinas obsoletas.
  • O algodão entrou em declínio devido a pragas (bicudo) e falta de inovação tecnológica.
  • O cacau, concentrado no sul da Bahia, sofreu com preços instáveis no mercado global.
  • Secas e Abandono: As secas de 1970 e 1979–1983 devastaram a agricultura de subsistência no sertão. O governo respondeu com medidas emergenciais (cestas básicas, frentes de trabalho), mas sem políticas de longo prazo, como irrigação em larga escala. O Polígono das Secas abrangia 80% do território nordestino, mas recebia poucos investimentos estruturais.
  • Migração Rural: A exclusão agrícola forçou milhões de nordestinos a abandonar o campo. Entre 1960 e 1980, cerca de 4 milhões de pessoas migraram do Nordeste para o Sudeste, segundo o IBGE, muitas fugindo da miséria rural.

Impactos

  • Desigualdades Regionais: O PIB per capita do Nordeste em 1980 era de apenas 40% do Sudeste, segundo o IBGE. A região respondia por menos de 15% do PIB nacional, apesar de abrigar 30% da população.
  • Dependência Estrutural: A falta de industrialização e modernização agrícola manteve o Nordeste dependente de transferências federais e economias informais, perpetuando um ciclo de pobreza.

Iniciativas e Limitações

  • SUDENE: Apesar de sua promessa, a SUDENE foi criticada por priorizar grandes projetos (ex.: polo de Camaçari) que geravam poucos empregos locais. Entre 1960 e 1980, apenas 5% dos investimentos industriais nacionais foram para o Nordeste.
  • Outros Programas: O Projeto Rondon e o Polonordeste (1974) buscavam integrar e desenvolver o Nordeste, mas tiveram impacto limitado devido à burocracia, corrupção e foco em elites.
  • Infraestrutura: Algumas obras, como a BR-101 e a Transnordestina (iniciada, mas não concluída), visavam melhorar o transporte, mas beneficiavam mais o escoamento de produtos para o Sudeste do que o desenvolvimento local.[36]

Conclusão:

A parte 1 desse artigo é apenas um resumo dos principais motivos de por que o Nordeste hoje é uma região pobre. A capitania de Pernambuco passou quase 400 anos sustentando outras províncias e a corte intensificada no período Joanino. Após sugarem até o último centavo do nordeste, o governo brasileiro, por motivos estratégicos, decidiu concentrar a indústria no sudeste, mais especificamente no Rio de Janeiro e São Paulo. Até 2003, o Nordeste foi jogado no esquecimento por interesses políticos diversos. Se quiserem se aprofundar nos assuntos, recomendo ler os artigos e livros citados.

Na parte 2 desse artigo, irei explicar por que os nordestinos, principalmente os mais velhos, tendem a ser lulistas.

-PARTE 2-

Referências:

Artigo de Inspiração

[3]: História Geral do Brasil (Vainfas, Ronaldo, org.) – aborda a economia açucareira e a importância de Pernambuco.

Formação do Brasil Colonial (João Fragoso e Maria Fernanda Bicalho) – detalha a produção agrícola e o papel de Pernambuco.

Crônicas de viajantes holandeses (como as de Johan Nieuhof) e relatórios coloniais disponíveis em arquivos como o do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
[6]: Bueno, Eduardo. Brasil: Uma História (2012).

Fausto, Boris. História do Brasil (1994).

Freyre, Gilberto. Casa-Grande & Senzala (1933).

Schwartz, Stuart B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835 (1985).

Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal), contêm relatórios sobre a arrecadação e produção de Pernambuco, evidenciando sua riqueza.

[10]: Mello, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

Novais, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1983.

Arquivo Nacional (Brasil): Documentos como as Cartas Régias e registros da administração colonial fornecem detalhes sobre os tributos e o controle econômico pela Coroa.

Biblioteca Nacional do Brasil: Coleções como os Anais da Capitania de Pernambuco contêm registros sobre a economia açucareira e as políticas da Coroa.
Freyre, GilbertoCasa-Grande & Senzala (1933)
Boxer, Charles R.O Império Marítimo Português, 1415–1825
"O sistema colonial e a economia açucareira" – vários autores em revistas como Revista Brasileira de História.

"A capitania de Pernambuco no século XVII" – artigos acadêmicos que tratam do domínio holandês e da reestruturação da economia local.
Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)www.fundaj.gov.br
[12]: Henry Koster – Travels in Brazil (1816).
Evaldo Cabral de Mello – O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641–1669.
O olhar estrangeiro: o Brasil dos viajantes", de Kenneth Maxwell.
[14]: Neves, A. M. das. A seca de 1816 no Ceará: o fenômeno climático e suas repercussões sociais.
Pereira, Leonardo Affonso de Miranda. Os Sertões e a Política: a seca no pensamento social brasileiro.
[22]: Os Retirantes – Euclides da Cunha.
História das Secas no Brasil – Frederico de Castro Neves.
Artigo: "Seca, Pobreza e Política: o caso do Nordeste brasileiro" – José de Souza Martins.
[25]: FAUSTO, BorisHistória do Brasil.
BEZERRA, Magali GouvêaO Nordeste e a República Velha.
Revista Brasileira de História (RBH) – Diversos artigos sobre o Nordeste e a Primeira República. Site: https://www.scielo.br/j/rbh

Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados – Documentos históricos sobre política e economia do período. Site: https://bd.camara.leg.br

CPDOC da FGV (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) Site: https://cpdoc.fgv.br
[32]: A República Velha – F. A. de Oliveira, J. L. do Amaral.
O Nordeste e a Migração para São Paulo – Livro de Flávio de Almeida, 1980.
Caminhos da Migração: São Paulo e o Nordeste" – J. T. P. Ribeiro.
[33]: IBGE - Censo Demográfico 2010: O Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) oferece dados detalhados sobre fluxos migratórios entre regiões brasileiras. Ele registra o aumento de pessoas retornando ao Nordeste e a diminuição do fluxo para o Sudeste em comparação com décadas anteriores. Os dados estão disponíveis no site oficial do IBGE (ibge.gov.br) ou em publicações derivadas, como o "Atlas da Migração Interna no Brasil".

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: As edições da PNAD entre 2001 e 2015, também conduzidas pelo IBGE, mostram tendências de mobilidade populacional e mudanças socioeconômicas no Nordeste, como a redução da pobreza e o aumento do emprego formal. Esses relatórios são acessíveis no portal do IBGE e frequentemente analisados em estudos acadêmicos.

Ministério do Desenvolvimento Social (MDS): Relatórios sobre o impacto do Programa Bolsa Família, especialmente entre 2003 e 2014, destacam como a transferência de renda contribuiu para a melhoria das condições de vida no Nordeste, reduzindo a necessidade de migração. Esses documentos podem ser encontrados em arquivos governamentais ou em estudos do antigo MDS (hoje parte do Ministério da Cidadania).
Artigos acadêmicos e estudos econômicos: Trabalhos como os publicados pela Revista Brasileira de Estudos Populacionais (RBEP) ou pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) analisam a migração reversa e o desenvolvimento regional. Um exemplo é o estudo "Migrações internas no Brasil: retorno e novos fluxos" (disponível em repositórios como Scielo), que aborda o retorno ao Nordeste com base em dados do IBGE.

Relatórios do Banco Mundial e CEPAL: Organizações internacionais como o Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) publicaram análises sobre o crescimento econômico do Nordeste brasileiro nos anos 2000, destacando investimentos em infraestrutura (como a transposição do São Francisco) e seus efeitos na retenção populacional.

Notícias e análises contemporâneas: Matérias de jornais como Folha de S.Paulo, O Globo e portais como UOL e G1, publicadas ao longo dos anos 2000 e 2010, frequentemente abordaram o fenômeno do retorno ao Nordeste, citando exemplos concretos de cidades como Fortaleza e Recife como novos polos econômicos.
[35]: "Formação Econômica do Brasil" - Celso Furtado: Um clássico que analisa as disparidades regionais e o papel do Nordeste como fornecedor de mão de obra, enquanto o Sudeste se consolidava como centro econômico.

"Raízes do Brasil" - Sérgio Buarque de Holanda: Explora as estruturas sociais e econômicas que moldaram as diferenças entre as regiões brasileiras.

"O Povo Brasileiro" - Darcy Ribeiro: Aborda as migrações internas e a exploração da mão de obra nordestina no contexto do desenvolvimento do Sudeste.
Arquivos do Museu da Imigração (São Paulo): Documentam a chegada de trabalhadores nordestinos ao Sudeste, especialmente no período do café e da urbanização.

[36]: Acadêmicas: Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil: Analisa desigualdades regionais e o subdesenvolvimento do Nordeste.

Andrade, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste: Estudo sobre a concentração fundiária e exclusão agrícola.

Singer, Paul. Desenvolvimento Econômico e Crise Urbana: Contextualiza a migração e urbanização no Sudeste.

Estatísticas: IBGE: Censos de 1970 e 1980, com dados sobre migração, PIB regional e pobreza.

IPEA: Relatórios sobre a SUDENE e desigualdades regionais.

INCRA: Dados sobre concentração fundiária no Nordeste.

Documentos Oficiais: Arquivos do Ministério da Economia: Relatórios sobre incentivos fiscais e investimentos industriais.

SUDENE: Planos de desenvolvimento e balanços de projetos.


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