NEOCOLONIALISMO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO NORDESTINA
Por Jacques Ribemboim, MSc Dr Professor de Economia da UFRPE
Resumo:
O modelo federativo brasileiro e a hegemonia econômica do Sudeste impõem às regiões periféricas uma relação tipicamente neocolonial. Em posição de desvantagem, o Nordeste exporta para o Sudeste matéria-prima e mão-de-obra a preços deprimidos e dele importa o produto acabado a preços altos e protegidos, constituindo um fluxo pernicioso de escoamento líquido de recursos de uma região mais pobre para outra mais rica. As origens do colonialismo-neocolonialismo interno brasileiro remontam à segunda metade do Século XIX, com o início da acumulação cafeeira no estados sudestinos e o redirecionamento deste capital para a indústria, ao tempo em que se instituía o emprego de mão-de-obra assalariada, sobretudo, imigrantes europeus recémchegados. A partir daquele momento, foi-se tornando cada vez mais acentuada a predominância dos interesses de uma região central, o Sudeste, sobre os interesses das regiões periféricas. Cada vez mais se pôde acompanhar a derrocada da aristocracia rural frente a uma nova burguesia urbano-industrial que se firmava e passava a deter o controle decisório do país. O trabalho pretende mostrar as principais características do processo de desenvolvimento industrial brasileiro no enquadramento do modelo neocolonial interno e, por fim, ressaltar a alternativa separatista como propulsora do desenvolvimento do Nordeste.
Colonialismo e neocolonialismo
Os historiadores econômicos associam o modelo colonial ao mercantilismo, escola de pensamento que prevaleceu no Ocidente durante os séculos XV, XVI, XVII e XVIII, mas que mantém resquícios até os dias atuais. Em sua caracterização primitiva, o modelo colonial-mercantil propunha que a nação acumulasse o máximo possível de metais (ouro e prata) dentro de seu território e a melhor forma para fazer isto seria conquistar terras, extrair-lhes o ouro, explorar suas matérias-primas e manter superávits na balança comercial. Ocorre que, por tautologia, a balança comercial do planeta há de estar sempre zerada e, deste modo, não é difícil perceber que um mundo com tais objetivos torna-se inexoravelmente um palco de tensão e conflito. Não é para menos que aqueles séculos fossem recheados com guerras sem fim. A ênfase na exportação de manufaturados e na proteção à importação destes produtos não só foi uma das características mais marcantes do mercantilismo colonial como também a que mais se mantém no ideário das populações e na conformação de políticas de comércio exterior.
Esta ênfase sobre as exportações, esta relutância em importar, foi chamada ‘pavor aos bens’: os interesses do mercador tinham precedência aos do consumidor. (Jacob Oser e William Blanchfield, História do Pensamento Econômico. São Paulo: Ed Atlas, 1983).
Com a vitória do laissez-faire, que hoje recebe o nome de neoliberalismo, as práticas mercantis, que requeriam forte intervencionismo estatal, cederam lugar a mercados mais flexíveis e competitivos.
Contudo, não se enganem os que pensam em um completo desaparecimento do modelo colonial. Ele, isto sim, encontra-se renovado em formas muito mais sutis, menos truculentas nos métodos, porém muito mais lucrativas nos resultados.
O modelo neocolonial mantém uma contínua dependência econômica das regiões periféricas em relação a uma potência central que opera seus superávits muito mais nas esferas de serviços financeiros e nos setores cultural e tecnológico.
Isto não necessariamente gera desconforto para as populações exploradas, mas, sem dúvidas resulta em injusta assimetria na distribuição dos ganhos das trocas. Uma população explorada que tenha consciência de estar nesta situação poderá assegurar melhores resultados na barganha internacional entre perdas e ganhos.
Neocolonialimo e neocolonialismo interno
Os países mais ricos compõem, para usar terminologia típica cepalina, um centro hegemônico que aufere os principais ganhos obtidos por meio das trocas internacionais realizadas com os países menos desenvolvidos, a periferia.
E não poderia ser diferente, haja visto que, tendo mais poder econômico, tecnológico e político, possuem um poder de persuasão bem maior. Até aí, nada a se espantar.
É regra natural que o mais forte faça prevalecer sua vontade. Mas nem tudo está perdido: em termos de comércio internacional, ambos os lados podem receber mútuo benefício – e comumente assim ocorre. Entretanto, uma vez identificadas as intenções de lado a lado, torna-se mais difícil a exploração pura ou exagerada.
O lado explorador irá encontrar a resistência da população do outro. É por isto que, como identificou Gunnar Myrdal, a empresa colonialneocolonial só poderá lograr êxito se contar (cooptar) uma elite local colaboracionista, particularmente privilegiada com a exploração ou com a troca desigual.
Isto se torna ainda mais grave quando o modelo neocolonial é praticado intramuros.
Em nome de um projeto comum nacional (que na prática, não existe), o cidadão comum das regiões periféricas dentro de um mesmo país passam a crer que é seu dever colaborar com a “grandeza nacional”, ou com a indústria doméstica, ainda que esta indústria ou esta grandeza se concentre alhures ou em mãos de uns poucos compatriotas.
No Brasil, o engajamento em torno da necessidade de proteger a indústria nacional é difícil de ser entendido, posto que esta indústria está localizada, às vezes, a milhares de quilômetros do lugar onde vivem os infelizes desempregados que abraçam esta bandeira.
Patriotismo desmesurado ou maquinado pode resultar em detrimento da qualidade de vida das populações, desperdiçando energia, para não sacrificando vidas.
Como e por que pode o conceito de patriotismo nacional, tão distante da experiência real da maioria dos seres humanos, tornar-se tão rápido uma força política poderosa? (Eric Hobsbawm, Nações e Nacionalismo desde 1780, Rio de Janeiro: Ed Paz e Terra, 1990).
O neocolonialismo intramuros, diferentemente do neocolonialismo internacional, conta com a conivência e o apoio das próprias populações exploradas.
O modelo de neocolonialismo interno reúne, portanto, condições excepcionalmente favoráveis para as regiões-centro, as quais detêm o controle político e econômico do país e contam com mercados cativos para sua produção. Isto é melhor que no modelo colonial clássico, já que, agora, não existe oposição nativista nem xenófoba. No atual modelo, em nome do protecionismo nacional, a região-centro conquista a simpatia e a cumplicidade da periferia.(Ribemboim, Nordeste Independente, Recife: Edições Bagaço, 2002).
Centro e periferia regional no Brasil
A região Sudeste compõe o centro e as demais compõem a periferia. Pelo menos, até o advento do Mercosul, que desloca a dinâmica econômica para os estados da Região Sul, ou antes da expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e, ainda, antes de se consolidar o condomínio Brasília, capital do país exclusiva para uns poucos. A hegemonia sudestina remonta à segunda metade do Século XIX, com a expansão do café, o uso de mão-de-obra imigrante assalariada, e a decorrente acumulação de capital que daí se seqüência e é redirecionada para a indústria, a partir da exaustão das possibilidades do café.
A partir daquele momento, foi-se tornando cada vez mais acentuada a predominância dos interesses de uma região central, o Sudeste, sobre os interesses das regiões periféricas, dentre elas, o Nordeste. Rapidamente, os enormes capitais que foram gerados por meio do plantio e da exportação do café migraram para a atividade industrial nascente e fizeram com que o Estado de São Paulo assumisse a hegemonia econômica e política do país. A vinda de milhões de imigrantes, que se fixaram nos estados das regiões Sul e Sudeste, preponderantemente, contribuiu de modo significativo para o surgimento e o fortalecimento de um mercado consumidor interno portentoso, em dimensões suficientes para permitir o escoamento da produção manufatureira paulistana. No cenário político, a abolição da escravatura e a queda da monarquia refletiam, claramente, a derrocada da aristocracia rural em todo o país, e no Nordeste, em especial, vis-à-vis a ascensão da burguesia urbana, sobretudo nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esta burguesia urbana que se fortalecia, estava indelevelmente atrelada à gênese de uma nova elite industrial que era, em sua maior parte, inclusive, constituída de imigrantes italianos, portugueses e alemães (Ribemboim, Nordeste Independente, Recife: Edições Bagaço, 2002, p.48).
Timidez e sumiço regional
O que está acontecendo com o Nordeste é algo que deveria ser muito mais estudado. De um lado, a Região apresenta alguns indicadores positivos de desenvolvimento e se constitui em inegável mercado consumidor. De outro, paulatinamente está desaparecendo em termos de inserção e representatividade nacional, resultando em perda de identidade e excessiva concentração regional da renda e do emprego.
Os sintomas são evidentes, em se considerando que o Nordeste tem uma população em torno de 44 milhões de habitantes, cerca de 24% da população brasileira:
- Poucas lojas nos shoppings centers são autóctones, a maioria é franqueada por empresas sudestinas e, até mesmo fraquias internacionais são concedidas por intermediários situados geralmente em São Paulo, aumentando desnecessariamente os custos de produção local e elevando os preços ao consumidor regional;
- os bancos regionais faliram todos e cederam mercados para os sediados no Rio e em São Paulo: praticamente todos os serviços financeiros acessíveis à população é prestado por entidades de fora.
- não há empresas de transporte aéreo com matriz em estado nordestino, e muito poucas de transporte terrestre, seguro e frete interestaduais; - não há editoras e emissoras de cadeia nacional com base na região;
- os livros nordestinos não aparecem mais nas vitrines e estantes das livrarias e, em seu, lugar, uma enxurrada de livros sudestinos de qualidade duvidosa; nas listas de best-sellers das revistas e jornais, os nordestinos simplesmente não existem;
- os times de futebol nordestinos já não competem em torneios nacionais, ficando restritos a segunda ou terceira divisão. Nem aos domingos podese ter futebol, porque isto atrapalha as transmissões dos jogos do sul;
- na televisão, quase já não há rostos nordestinos, e quando os há, é porque estão vivendo no Rio ou em São Paulo;
- os cargos de comando das empresas filiais são quase exclusivamente preenchidos por sudestinos ou sulistas, como se não houvesse mão-deobra qualificada na região (nos concursos públicos, os nordestinos tem bastante sucesso);
- as reportagens e noticiários de televisão e revistas se referem muito pouco à realidade e ao quotidiano nordestino; o tempo de televisão para programas locais é desprezível;
- as propagandas e campanhas publicitárias sobre-utilizam artistas e modelos de fora, desprezando a gente local, fazendo com que o nordestino “se considere feio”;
- etc etc etc.
Independência como solução?
Alternativa pouco discutida no país é a da independência do Nordeste ou de parte desta região. Uma vez liberto da dependência econômica e decisória dos estados do sul-sudeste, o Nordeste poderia adquirir produtos de quem bem lhe aprouvesse, sem compromissos em resguardar ou proteger indústrias de fora de seu território. Na atual conjuntura, o Sudeste importa mão-de-obra e matérias-primas a preços comprimidos (baratos) e exporta para o Nordeste manufaturas a preços altos e protegidos. Deste modo, um nordestino é obrigado a pagar mais por um automóvel ou um item qualquer de consumo, em comparação a uma escolha livre no mercado mundial. Em outras palavras, entrega horas adicionais de seu trabalho ao paulista, para que este possa proteger a indústria de São Paulo. A independência poderia se constituir, ainda, em momento propício para uma mudança estrutural mais intensa de que necessita a região. Citando Teotônio dos Santos:
A questão do desenvolvimento passou a ser, assim, um modelo ideal de ações econômicas, sociais e políticas interligadas que ocorreriam em determinados países sempre que se dessem as condições ideais à sua “decolagem”. (A Teoria da Dependência: balanço e perspectiva. Teotônio dos: Santos, 2000).
A isto poderia ser acrescentada a idéia de que este modelo ideal a que se refere resulta do surgimento de um instante propício, um estado de espírito social, um momento psicologicamente receptivo para a grande mudança, precisamente como ocorreu com a Inglaterra no século XVIII, na Alemanha de Bismarck, com os Estados Unidos do Pós-guerra, com a Restauração Meiji no Japão, com a Espanha, Portugal e Irlanda dos anos 90, com o Leste Europeu, atualmente.
Conclusões A formação econômica brasileira e a organização do modelo federativo no Brasil resultam em um modelo de neocolonialismo interno, onde uma região-centro, São Paulo, é particularmente privilegiada em detrimento ou atraso no desenvolvimento das regiões periféricas. Para romper com este ciclo de dependência e esmaecimento de identidade regional, o Nordeste deveria seguir a alternativa separatista. Com a independência, suas relações de troca melhorariam significativamente e sua identidade cultural estaria melhor preservada.
Referências Bibliográficas
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MYRDAL, Gunnar. Perspectivas de uma economia internacional. Tradução de J. Régis.Rio de Janeiro: Editora Saga, 1967.
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______. A Questão do Separatismo. Jornal do Commercio. Edição de 11 de Maio. Recife: 1993.
SANTOS, Teotônio dos. A Teoria da Dependência: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
SOUZA, Aldemir do Vale. Emprego no Nordeste: o papel da interação regional. Recife: Editora Massangana, 1997.
OSER, Jacob e BLANCHFIELD, William C. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Atlas, 1983.
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